"Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força da sua alma, todo o universo conspira a seu favor."
Goethe
Há dias assim, em que nos importam os sonhos, os nossos e os dos outros, os apenas sonhados, os vividos e os nem por isso. São dias de fazer balanços, de limpar as gavetas da memória, de tirar o pó dos livros já lidos, de fazer uma nova lista de livros para ler, de guardar, para reler, aqueles de que sentimos falta. A vida não teria sentido sem estes "dias não-sonhos", dias de, apenas, contemplar os sonhos. E há uma estranha paz nesta tarefa, uma inexplicável ausência de revolta ou de raiva, mesmo perante os sonhos mal sonhados.
Apesar do meu espírito inquieto e da minha alma insatisfeita, tenho dias assim, dias de apenas olhar os dias. Não! Não são dias perdidos, são dias de alimentar a alma, de voar sem medo e de contemplar o que fui, mais do que aquilo que sou. São dias que se impõem sem avisar, que eu tento evitar ou, ao menos, adiar. Sem sucesso, eles vêm devagar, começam na calada da noite e vestem-me de curiosidade logo pela manhã. E ali fico eu, rendida à tarefa de ver os sonhos.
Desta vez, esse dia foi diferente. Ele não queria as minhas memórias, nem a leitura dos diários, que me acompanham desde os 12 anos de idade. Ele queria os meus sonhos partilhados, queria ver-me a olhar os sonhos que sairam do meu mundo secreto, que saltaram para o conhecimento público, que partilhei com amigos (velhos e novos amigos), com conhecidos e com desconhecidos. Perguntei-lhe: mas serão esses os meus sonhos? serão esses os sonhos de alguém? e se forem, valerá a pena conhecê-los?
Não houve resposta, apenas se impôs a imperiosa necessidade de ir lá, abrir o Facebook(FB) e percorrer o meu mural, todos os meus posts e alguns dos comentários que eles suscitaram. Deve ter sido a primeira vez que o meu olhar sobre os "sonhos" tinha uma ordem, uma cronologia, uma sequência temporal e até uma certa coerência emocional. Deliciei-me a reler as citações, que me dizem tanto sobre mim e sobre o mundo; a rever as fotos de sucessos profissionais e de celebrações pessoais; a reviver o que foram os reencontros com tantos amigos, que julgava perdidos; a sentir de novo as alegrias e, também, as dores, que exprimi perante acontecimentos marcantes; a emoção da partilha de palavras, de sentimentos, de projectos. Tudo isto estava lá, no meu mural do FB, mas não encontrei os sonhos que procurava, nem os meus, nem os de ninguém.
Já a madrugada ía alta e dos sonhos não havia qualquer notícia. Desisti, prometi a mim mesma que não voltaria a gastar nem mais um dos meus "dia assim" a procurar sonhos no FB, voltaria às minhas memórias (ainda que confusas e sem data) e aos meus diários (ainda que caóticos e rasurados).
Deitei-me, não consegui adormecer, apesar do cansaço. Peguei num dos meus diários e na primeira folha, tinha escrito uma citação de Goethe "Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força da sua alma, todo o universo conspira a seu favor."
Compreendi, então, que só há um lugar onde guardar os meus sonhos: dentro de mim. O lugar onde habita todo o universo.
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